O Alfa e o mercedes LP 321.

De: Richard Donovan Pegorário de Farias
Belford Roxo -RJ

Venho de uma família de motoristas,meu avô paterno,meu pai e mais seus quatro irmãos foram todos motoristas e eu não fugi a regra,larguei o curso de mecânica no CEFET-RJ para tornar-me motorista de caminhão,o que me custou muitas discussões com meu pai que queria “coisa melhor” para mim,hoje dirijo ambulância de resgate.
Minha febre de volante e estrada começou no ano de 1970 quando um dos irmãos de meu pai vendeu o taxi que ele possuia e decidiu que cairia na estrada usando o dinheiro da venda do taxi para comprar uma “cara chata LP321” ano 62, feito a compra ele tratou de trucar o bruto para poder carregar mais carga e “caiu dentro” dos trabalhos viajando direto principalmente no eixo Rio-SP, pois tinha as prestações restantes do caminhão e as da instalação do truck para pagar. Naquele tempo uma viagem dessas levava até 8,9 horas ou mais dependendo da carga e meu tio orgulhava-se da seu “cara chata” que, segundo ele, andava muito por causa do diferencial de onibus. Nas férias de fim de ano comecei a viajar com ele e lembro-me que quando passávamos por um alfa ele dizia “isto não anda ,é lerdo demais”, eu no meu íntimo admirava os FNMs, seu porte e seu ronco mas guardava prá mim, pois só tinha 15 anos de idade e quem era eu prá discutir com ele que já tinha conduzido tudo que tinha rodas nesta vida.

Certa vez saímos do rio ás 00:00 h com destino a SP e depois de rezende, já alta madrugada paramos para um café e ao nosso lado estava um alfa desses brasinca no toco e com um tanque que parecia pixe ou emulsão, não sei dizer, só sei que tinha aquele maçarico na traseira para manter a carga aquecida e ele estava aceso, ao sairmos o alfa também saiu, ele na frente e meu tio atrás resmungando que logo deixaria o alfa para trás ,o alfa estava meio relaxado e mal conservado, feio mesmo de se ver mas meu tio esticou, trabalhou com o giro lá no alto e nada, quando chegou na serinha de lavrinhas (era assim que a gente chamava aquele trecho) a LP pediu primeira e foi roendo a paciência da gente subida acima e eu pude ver o foguinho do maçarico do alfa sumindo até desaparecer subida acima, parecia mágico, poético ver a traseira iluminada ir se distanciando e o ronco ir baixando até só ficar o barulho da LP,comecei então a admirar estes caminhões e lembro que perto da minha casa tinha um destes, cabine brasinca bege e grená com placa de brejo santo, Ceará, e eu passava admirando o bruto e o que me chamava a atenção eram os arrebites da lataria que dava um ar de resistencia durabilidade ao caminhão.De outra feita estavamos em São Paulo e fomos carregar na gessi-lever, se me recordo bem, bem e quem estava carregando no mesmo armazém ao nosso lado?. Ele mesmo, um alfa cabine standard amarelo mostarda trucado com carroceria de madeira e grade pequena com aquele símbolo redondo vermelho, o dono disse que o carro era se me lembro bem, ano 64 ou 66 e conversa vai conversa vem eu perguntei á ele se era passo longo ou passo curto e ele disse que era médio e o cara era lá da bahia e o carro também mas estava carregando para o mesmo lugar no Rio de Janeiro, nós havíamos arrumado carga para sua região; naquele tempo a descarga demorava muito e perdia-se muito tempo nesta operação, meu tio tacou 13000 quilos na LP e o alfa levou umas 17 ou 18 tons, saímos juntos da gessi e rumamos para um posto para abastecer, almoçar e trocar o cheque da transportadora pois estávamos lisos de grana e já era umas 4 da tarde, almoçamos todos juntos e saimos do posto juntos o alfa na frente e nós atrás, chegamos na dutra e pegamos um desvio por uma estrada de terra em cumbica por causa do excesso de peso, para não passar na balança,e o alfa na frente…meu tio resmungou, vou andar tudo que puder pois esta lesma daí da frente não anda e eu não quero chegar no Rio atrás dele e ter que esperar ele descarregar primeiro e me atrasar pois quero carregar no mesmo dia da descarga para não perder tempo; e aí começou….mete o pé no acelerador, estica marcha e nada….o alfa na frente, quando chegamos naquele trecho da dutra que começa o sobe e desce,na região de Taubaté em diante, o cara chata pedindo marcha e a traseira do alfa diminuindo até sumir lá na frente, não vimos mais o alfa naquele dia, quando chegamos no Rio no local de descarga lá estava o alfa já quase totalmente descarregado e nós ainda para descarregar, interpelei o motorista e ele me disse meio com um sorriso no canto da boca:”cara, eu me enganei, o carro é passo longo”. Hoje em dia ás vezes viajo pela dutra a passeio, com o olho comprido para os caminhões que passam rápido e que fazem a viagem em tempos cada vez mais curtos e lembro-me com saudades daqueles tempos e principalmente dos alfa que eram maioria na dutra e vejo com extrema tristeza nas margens das ruas e estradas por onde passo carcaças abandonadas destes heróicos caminhões que com certeza tem um lugar perpétuo na história do transporte rodoviário deste país.

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