Ficou Na Memória
Mauricio R. Ortega
03/03/2010
Em 1968, no período de férias escolares de final de ano fiz uma viagem de ida e volta Curitiba/Brasília a bordo de um Alfa-FNM cabine “Brasinca” que era de meu pai, Rubens, caminhoneiro autônomo de profissão, paulista de nascimento e que antes de se estabelecer em Curitiba em 1961, havia migrado para a recém nascida cidade de Maringá (minha cidade natal), no norte paranaense, no início da década de 1950. Como os caminhões Alfa/FNM foram os veículos de transporte que melhor se adaptaram às exigências de carga e rodovias da região norte do Paraná no seu período de início de desenvolvimento, se tornaram preferidos dos caminhoneiros desta região e meu pai foi proprietário de vários modelos desta marca por muitos anos.
Fotos: década de 1950 – Maringá/PR
Contava eu com 12 anos de idade e apesar de conviver no meio de caminhões a minha vida toda não tinha a menor noção do que significava uma viagem tão longa (aproximadamente 1.400km). Hoje esta distância não parece nada, mas naquela época um caminhão carregado levava 4 ou 5 dias de viagem para chegar ao destino. Viajava-se o dia inteiro, parte da noite e madrugada, parando-se apenas para almoçar e jantar (com comida feita pelos próprios caminhoneiros), abastecer, verificar a calibragem de pneus e dormir (na própria cabine do caminhão). Para os desavisados como eu, o cansaço chegava rápido.
Já na saída sabia que esta viagem duraria duas semanas ou mais, dependendo sempre das condições de retorno (destino da carga da volta). A viagem foi tranqüila dentro das limitações de conforto permitido por tais veículos. Seguia junto no mesmo percurso um outro caminhão FNM, porém de cabine “Standard”, de um compadre de meu pai, Sr. Geraldo. Um grande desconforto é o barulho do motor, que se localiza dentro da cabine, mas acostuma-se, porem o FNM tinha uma grande vantagem. Possuía atrás dos bancos do motorista e passageiro duas camas (beliche) bem espaçosas, o que me permitia relaxantes períodos de sono, mesmo com o caminhão em movimento. Sobre o conforto que proporcionavam estas camas, meu pai costumava contar uma piada sobre os caminhoneiros que dirigiam marcas concorrentes. Dizia freqüentemente ele que para ser motorista de caminhões de outras marcas teria que ser “cobra”. Quando lhe perguntavam se “cobra” se referia à perícia destes motoristas respondia ele que não, teriam que ser “cobras” para conseguirem dormir enrolados no câmbio de marchas destes outros caminhões, que improvisavam camas sobre os bancos (coisa de Alfeiro fanático).
Não esqueço as intermináveis retas do planalto central e os inumeráveis cupinzeiros do serrado. Chegamos no Distrito Federal num fim de semana e ficamos acampados esperando a Segunda-Feira num posto de gasolina a alguns quilômetros da capital. Lembro que nesta “folga” perambulei ao redor pelo cerrado à cata de gabirobas, frutinhas muito doces que crescem em pequenos arbustos e eram como pragas, tal era a sua quantidade.
Observar de perto todas aquelas diferenças urbanas e arquitetônicas que ainda hoje marcam Brasília produzia muito mais impacto naquela época e, portanto, a jovem capital me causou forte impressão, porem não me agradou observar as várias construções prediais e residenciais idênticas em seqüência umas das outras. É curioso, mas um detalhe que me chamou muito a atenção (alem da forte presença militar) e não mais esqueci foi um tipo diferente de ônibus que por lá trafegavam. Eram carretas para transporte de passageiros puxados por cavalos-mecânico (FNMs entre eles). Nunca havia visto veículos de transportes urbanos compostos daquela forma e nunca mais tornei a vê-los.
Na volta meu pai conseguiu um frete de Goiânia até Umuarama (norte do Paraná), e depois outro de Maringá a Curitiba. Não voltei mais a viajar de caminhão em percursos longos assim.
Minha próxima viagem até Brasília tornou a acontecer em meados da década de 1980, a trabalho, porem viajei de avião. O vôo durou apenas uma hora e meia e meu retorno foi no dia seguinte. Na ocasião, não pude deixar de recordar a viagem anterior e comparar as diferenças. A rapidez, conforto, etc, proporcionados pela vida moderna tem suas vantagens, mas por outro lado empobrece experiências pessoais do cotidiano. Comparando as duas viagens, lembrança marcante mesmo só as da primeira ficaram.
Rubens (FNM Brasinca), Geraldo (FNM Standard) e José (Scania) – década de 1960